16º Congresso Abraji

Como Julie K. Brown reviveu o caso Jeffrey Epstein

O bilionário foi preso após a investigação da jornalista norte-americana, que mudou o desfecho da história ao ir atrás daquilo que a mídia havia deixado de lado: a voz das vítimas

Por: Nayani Real
Edição: Giulia Afiune
Arte: Mikael Schumacher

Enquanto pesquisava sobre tráfico sexual para uma reportagem, a jornalista Julie K. Brown, do Miami Herald, se deparou com o nome de Jeffrey Epstein. Quase uma década após ser acusado de ser responsável por um grande esquema de tráfico sexual de meninas, um grave crime contra os direitos humanos, o bilionário americano continuava solto.

“Além disso, Alex Acosta, o promotor geral em Miami que aprovou o acordo que o livrou, estava trabalhando no Ministério do governo Trump. Eu pensei: o que será que as vítimas acham do desfecho do homem que deixou Epstein livre?”, conta Brown. 

Foi aí que surgiu a decisão de se debruçar sobre um caso que já havia sido amplamente coberto e trazer à luz o que a mídia havia deixado de lado: a voz das vítimas.

A jornalista contou tudo sobre a investigação que durou cerca de um ano e meio e levou o bilionário à prisão no painel ‘’Abusos sexuais em grandes redes de poder”, na quinta-feira (25) durante o 16º Congresso da Abraji.

Investigando perguntas sem resposta

Mesmo com mais de quarenta anos de experiência e técnicas de jornalismo investigativo já aguçadas, Brown foi buscar os recursos necessários para falar com essas vítimas entrevistando psicólogos e investigadores aposentados do FBI que trabalhavam com crianças que sofreram violência sexual.

Uma preocupação que a jornalista teve durante as entrevistas foi deixar claro que as vítimas poderiam parar o relato a qualquer momento e não precisavam se aprofundar em detalhes. “Basta dizer que essas pessoas foram estupradas. Qualquer pessoa que já teve um namorado ruim na vida entende: Epstein as convenceu de que cuidaria delas e realizaria seus sonhos. Ele levou isso a outro grau de maldade e terror. O abuso psicológico é tão monstruoso quanto o abuso sexual”, comenta.

Para a jornalista, a principal pergunta – que ninguém havia feito –, era como essas meninas foram tratadas pelo sistema de justiça. Sua descoberta foi que elas se sentiam tratadas como prostitutas, e se viam injustiçadas e traídas por Epstein e pelo sistema. 

“Nós conseguimos explicar [para as vítimas] que entendíamos quão grave havia sido aquela situação”, explica. A partir dali, seu compromisso foi fazer com que os leitores compreendessem que aquelas meninas tinham sonhos, eram cheerleaders, tinham problemas em casa, assim como outras crianças da mesma idade. “Quando mostramos essa tridimensionalidade, as pessoas conseguem sentir a dor. Quis levá-las para esse momento e mostrar que aquelas mulheres, na época, eram simplesmente crianças”, explica.

O poder das vozes tiradas do silêncio

Julie K. Brown aponta que as grandes responsáveis pela reabertura do caso e pela justiça decorrente da reportagem foram as vítimas, que tiveram coragem para tornar seus relatos públicos. Para ela, o poder dessa história está em suas vozes, tiradas do silêncio pela reportagem, e posteriormente pelo documentário produzido com base na investigação, disponível na Netflix.

Em casos de grande repercussão como este, as pessoas sabem que há algum tipo de acordo pela liberdade do réu. O que ninguém sabia sobre Epstein é como e por qual motivo ele havia sido fechado, conta a jornalista. Para responder essa pergunta, ela trabalhou como uma espécie de detetive, organizando os papéis em cima da mesa e tentando encaixar as informações, como num quebra-cabeça. “Eu já tinha visto vários desses documentos e percebia que certas pessoas se conectavam em vários momentos. Foi assim que consegui reunir os fragmentos dessa história”, relata. 

Quando um colega disse que o ministro de Trump Alex Acosta, seria demitido após a reportagem vir à tona, Brown riu. A jornalista não tinha dimensão de que o trabalho que estava fazendo o levaria a pedir demissão. “Ele dava as mesmas desculpas dos últimos anos. Só que eu tinha todos os contra-argumentos e ele perdia todas as batalhas”, conta.

Depois da publicação, ela manteve contato pelas redes sociais e por telefonemas com as mulheres que denunciaram Epstein. “Acredito que se nos afastássemos elas se sentiriam novamente traídas. E não é por isso que eu faço jornalismo, eu faço porque acredito que pode gerar mudanças”, defende. Para a norte-americana, seu papel era e ainda é manter essa história viva. 

Dicas para jovens jornalistas

Não se preocupem tanto com coisas sobre as quais não têm controle, faça o seu melhor e não duvide de si mesmo. Essa é a mensagem que Julie gostaria de ter dado a si mesma, quando mais jovem, e por isso a dividiu com a plateia no 16º Congresso da Abraji. 

“Aprender jornalismo é construir com blocos. Uma matéria ajuda a próxima, que vai ajudar a próxima. Tudo o que eu fiz na minha carreira me permitiu chegar a este caso. É difícil, sim, mas cada reportagem faz de você melhor ouvinte e entrevistador”, incentiva.

A cobertura oficial do 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em cooperação com a Oficina de Montevideo/Oficina Regional de Ciências para a América Latina e Caribe. 

1 comentário em “Como Julie K. Brown reviveu o caso Jeffrey Epstein

  1. Arthur Duarte

    Que matéria interessante, muito bem escrito.

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