18º Congresso Abraji

Como tirar o jornalismo da ‘defensiva’ na cobertura sobre as urnas eletrônicas?

Passado o momento crítico de ameaça à democracia, jornalistas defendem a retomada do debate público sobre o sistema de votação no país

Por: Helena Rocha | Edição: Weslley Galzo | Foto: Pedro Moreira / Abraji

Os ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação, por meio da campanha de desinformação em defesa do voto impresso e da instrumentalização das Forças Armadas, impuseram aos jornalistas a necessidade de empenho não só pela defesa das urnas eletrônicas utilizadas há mais de 25 anos como das instituições eleitorais. 

Nove meses após as eleições presidenciais, os profissionais que se dedicaram à cobertura da Justiça Eleitoral discutiram no 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji sobre o que foi possível aprender enquanto a estabilidade da democracia era testada. A mesa, formada pelos jornalistas Letícia Arcoverde (Nexo), Renata Galf (Folha de S. Paulo) e Weslley Galzo (Estadão), contou também com a presença do professor de engenharia da computação da Escola Politécnica da USP, Marcos Simplício, e mediação de André Boselli, da Artigo 19. A discussão central foi como melhorar o papel da imprensa no acompanhamento das urnas eletrônicas e do seu funcionamento nos processos eleitorais no país. 

Captura e manipulação do debate por Bolsonaro

Galzo, que atuou na cobertura do Tribunal Superior Eleitoral em 2022, recorreu a  um exemplo histórico para analisar como a imprensa mudou a maneira de cobrir o sistema eletrônico de votação. Ele comparou o discurso do ex-governador Leonel Brizola e de Bolsonaro sobre o voto impresso. Ambos defenderam historicamente a instalação de impressoras nas urnas, mas, como explicou o jornalista, por motivos e interesses opostos. 

A comparação deixou explícito que, embora Brizola tenha feito ataques às urnas, a crítica do ex-governador era técnica. “Na minha avaliação, o presidente Jair Bolsonaro não fazia isso, ele usou a pauta do voto impresso, a questão da urna eletrônica para atacar as instituições e para questionar a legitimidade do modelo que a gente tem”, analisou.

O jornalista ainda citou o conceito de agenda setting, segundo o qual a imprensa “pauta e organiza o debate público”, para avaliar que no governo Bolsonaro os veículos jornalísticos tradicionais teriam perdido essa capacidade. Ele argumentou que os jornalistas passaram a agir de maneira “defensiva” para rebater as mentiras espalhadas pelo então chefe do executivo federal. “A gente não conseguiu propor um debate, não conseguiu qualificar essa discussão, não conseguiu ter solução e oferecer uma discussão de maneira proativa”, avaliou Galzo.

O repórter Wesley Galzo. Foto: Pedro Moreira.

O professor Simplício, que colaborou nos testes e estudos de alguns modelos de urnas, ressaltou o fato de que produtores de fake news e eleitores imersos nesse ambiente se apegam apenas nos argumentos que reforçam as suas crenças. Ele citou que a equipe da Poli-USP atrasou o lançamento do relatório sobre as urnas por causa dos riscos de os apontamentos de melhorias serem utilizados para atacar o sistema eleitoral.

Simplício participou da auditoria realizada pelo PSDB nas urnas após a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff, em 2014. Ele destacou a importância de os jornalistas e acadêmicos analisarem criticamente o sistema de votação compreendendo o cenário no qual estão inseridos.“Foi sequestrado isso (debate sobre a urna). De crítico da urna, eu tive que virar defensor das urnas. (É preciso dizer que as urnas) têm possibilidades interessantes de melhoria.”

O desafio de explicar a urna para a população

A desordem no campo comunicacional fez com que jornalistas buscassem por formas diferenciadas de explicar a segurança da urna para o público na tentativa de esclarecer cada discurso falso que surgia no debate público. Pensando nisso, Galf e outros jornalistas se debruçaram sobre as principais dúvidas para fazer uma matéria que facilitasse a compreensão dos leitores. “A gente tem uma mistura que é: questões técnicas complexas, desinformações e por vezes não temos um acesso muito facilitado a informações técnicas no mesmo nível que essas campanhas de desinformação são feitas”, afirmou.

Arcoverde, por sua vez, frisou a importância de levar o contexto aos materiais produzidos. “Trazer esse contexto que às vezes parece óbvio para a gente, mas quando o debate fica muito polarizado, cheio de desinformação, essas informações às vezes se perdem”, disse.  

A conclusão dos repórteres que participaram da mesa é que passado o período eleitoral, o jornalismo volta a ter a possibilidades de fomentar discussões construtivas e trazer o olhar crítico de volta para o debate público. “ A gente precisa qualificar melhor o debate para combater as informações sobre a urna”, finalizou Arcoverde.

A cobertura oficial do 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo.

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