. 18º Congresso Abraji Casos | Bastidores | Pesquisas

Não há jornalismo ético sem respeito aos povos tradicionais

Comunicadores indígenas ensinam como ‘decolonizar’ técnicas de entrevista e reportagem para respeitar as diferentes culturas que existem no país

Por Malu Araujo | Edição: Cristiane Paião | Foto: Pedro Moreira

“Não é questão de dar a voz, as vozes já existem”. Com posicionamento firme, a jornalista independente Ariene Susui trouxe para uma das atividades mais concorridas do 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji diversos questionamentos sobre a cobertura dos povos tradicionais.

“Como alinhar a demanda jornalística com o respeito aos costumes dos povos indígenas” foi realizada no sábado, 01 de julho, com mediação da jornalista socioambiental Tainá Aragão. “Não há um jornalismo ético sem o respeito aos povos tradicionais”, declara ela nos primeiros minutos de conversa. Além de Tainá e Ariene, também estiveram presentes o comunicador indigena Tiago Kirixi e a jornalista e antropóloga Helena Corezomaé, que trabalha atualmente na TV Centro América, afiliada da Rede Globo em Mato Grosso.

Segundo Ariene, que começou a carreira de ativista indígena aos 14 anos, para não se cometer abusos e erros que podem desrespeitar as pessoas envolvidas nas histórias que estamos contando, é preciso buscar conhecimento sobre esses povos, entender suas prioridades, conhecer geograficamente esses territórios e ouvir mais sobre as distintas realidades desses espaços.

A jornalista conta que é muito comum que não indígenas confundam nomes de estados, territórios e povos, o que é inaceitável. “É de suma importância conhecer de que povo indigena você está falando, são mais de 300 povos”, afirma.

Outro aspecto levantado pela jornalista foi o do reconhecimento profissional. Segundo ela, ainda é difícil ter acesso aos editais de financiamento para as pautas, e é revoltante quando vê que colegas são procurados não como repórteres, mas apenas como informantes: “as pessoas só nos querem como fonte de informação”, pontua Ariene.

Para Helena Corezomaé, um dos principais aspectos que devem ser modificados durante as coberturas é o uso de estereótipos pelos veículos de informação. “O indigena sempre é visto de uma forma muito exótica ou muito racista”, pontua.

Segundo ela, para se fazer uma cobertura realmente ‘decolonizadora’ é preciso “colocar a voz dos povos indígenas, conhecer mais e aí poder contar enquanto jornalista essa história a partir do olhar e da voz dos povos indígenas”.

O chamado pensamento decolonial, ou atitude que desconstrói posicionamentos colonizadores, vem sendo bastante discutido na academia e em diversas áreas da sociedade nas últimas décadas. Refere-se, basicamente, buscar uma pluralidade de vozes e de caminhos para a realidade a ser contada e é uma ideia bastante forte entre a comunidade indígena.

Palavras como “índio” e “tribo” estão proibidas porque são desrespeitosas e desclassificam os seres humanos a quem se referem. “É Terra Indígena, não é reserva. É povo Yanomami, não é geral, é um povo”, ressalta Ariene.

Escrever uma reportagem sobre os povos indígenas não é uma tarefa simples. Isso porque não dá para se aprender de um dia para o outro elementos centrais de um povo. “É preciso passar um tempo”, destacou Tiago, “é necessário conversar com as associações locais”.

Além disso, para o comunicador indígena, uma alternativa é buscar por profissionais indígenas que estejam atuando e, por meio deles, “articular reportagens com as lideranças” locais, mas claro, reconhecendo seus trabalhos.

Já para Helena, também é possível procurar por federações e associações. “O próprio movimento indigena está muito organizado”, afirma.

Uma questão de sensibilidade

Os convidados não deram apenas dicas sobre como os jornalistas podem fazer uma cobertura ‘decolonizadora’, mas também o que não devem fazer de forma alguma em suas reportagens.

“As pessoas não têm respeito. Às vezes, têm uma ânsia muito grande, querem tudo com rapidez”, avalia Ariene. Essa urgência em preencher as lacunas de notícias quotidianas é um dos piores fatores que, segundo ela, mais levam ao desrespeito dos costumes e da cultura porque muitas vezes o “tempo” das lideranças não é o mesmo das redações. “É também colocar para a imprensa: respeite os costumes, respeitem esses povos”, reitera a jornalista.

Um dos episódios vistos com frequência durante a cobertura da calamidade do povo Yanomami foi a falta de preocupação com a imagem dos mais fragilizados naquele momento, principalmente as crianças. Isso foi muito impactante para todos.

Helena explica: “eu não gostaria de ver a minha mãe, que sofreu um acidente, a imagem dela depois do acidente, nem gostaria de ver um parente sendo exposto em uma situação de vulnerabilidade”. Sobre esse aspecto, para Tiago, uma das principais características que um jornalista deve ter ao cobrir temas ligados à pauta indigena é a “sensibilidade”.

Dicas para melhorar a cobertura dos assuntos sobre os povos indígenas

  • Antes de entrar em contato com as lideranças, procure conhecer as diferenças entre os povos, peça para passar um tempo, para se aproximar mais.
  • Entenda os termos vocabulários utilizados pela comunidade: “é terra indigena, não é reserva, é Povo Yanomami, não é geral, é um povo”.
  • Compreenda a diferença entre a utilização das técnicas de reportagem e entrevistas, saiba como os diferentes povos lidam com a exposição de sua imagem. 
  • Construa histórias conjuntas, não use os povos indígenas apenas como “fontes”, deixe que eles contem suas histórias: “não é questão de dar a voz, as vozes já existem”.
  • Converse de forma simples!

A cobertura oficial do 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo.

0 comentário em “Não há jornalismo ético sem respeito aos povos tradicionais

Deixe um comentário