. 18º Congresso Abraji Ataques à Democracia | Ataques à Imprensa | Direitos Humanos | Eleições

“Não vão nos calar”: violência física contra jornalistas aumenta, aponta relatório

Agentes estatais são os principais agressores; mulheres jornalistas são as mais atacadas

Por Letícia Gouveia /Edição: Ana Luisa Gomes / Arte: Ana Rossini /Foto: Marco Pinto

Só nos três primeiros meses de 2023 ocorreram 109 casos de ataques a jornalistas no Brasil. O número é menor do que o registrado no ano passado, de 165. No entanto, os ataques neste ano têm sido mais intensos. É o que aponta os dados do relatório “Silenciando o mensageiro: os impactos da violência política contra jornalistas no Brasil”, apresentado por Leticia Kleim, assistente jurídica da Abraji e mediadora da mesa “Para onde caminhamos? A violência contra jornalistas da América Latina”, no 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji.

Ela destaca como as questões de gênero são um fator agravante para esta violência. O documento registra 40 casos de violência contra mulheres jornalistas; comentários machistas e/ou misóginos representam 27,8% do total e comentários transfóbicos chegam a 16,7%. 

Um dos casos mapeados foi o da jornalista Alana Rocha, primeira mulher transexual formada em Jornalismo a atuar em TV Aberta nas editorias de Polícia e Factual no Brasil.  Ela participou das discussões sobre  violência contra a imprensa junto com outras jornalistas vítimas de ataques: Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva, colunista do jornal O Globo e comentarista da Rádio CBN, e Angélica Cárcamo, presidente do APES (El Salvador) e diretora da Red Centroamericana de Periodistas.

Alana é de Riachão do Jacuípe, cidade no interior da Bahia com pouco mais de 33 mil habitantes, onde a mídia local depende muito do apoio financeiro do governo. Ela conta que começou a sofrer ataques por revelar escândalos da política local na Rádio Gazeta. O caso mais extremo foi quando um político da cidade tentou invadir a redação com a intenção de matá-la. Como ela permaneceu no prédio da emissora, o agressor jogou pedras em seu carro.

“Eu me vi emocionalmente muito abalada porque [a situação] mexeu com a minha mãe, não foi só comigo. Minha mãe ficou destruída. E também o significado da pedra. Porque quando eu desci, vi o estado que meu carro ficou e vi uma das pedras no banco do motorista. Emocionalmente eu cheguei a enxergar a pedra manchada de sangue. Não tinha sangue na pedra, mas ali, começando a chorar, eu vi sangue na pedra”, relata. 

Mesa: Para onde caminhamos ? Violência contra jornalistas da América Latina/Crédito: Marco Pinto

Foi a partir deste episódio que ela contou com suporte jurídico e emocional da Abraji. “Hoje, eu não tenho tanto medo. Há o abalo emocional, mas o medo não existe porque eles próprios [os agressores] já sabem ver, com o andamento desses dois anos, que tem um escudo chamado Abraji e que tem dado esse suporte incrível pra mim lá na cidade”.

Angélica Cárcamo, presidente do APES, organização de El Salvador semelhante à Abraji, comentou o panorama de ataques a jornalistas na América Central. Neste ano, foram mapeadas 103 agressões a jornalistas, a maioria proveniente do próprio estado salvadorenho. “É um cenário bastante triste”, lamenta.

Ela também alerta sobre a situação da Nicarágua, que passa por um regime ditatorial. A jornalista explica que os políticos se incomodam com o jornalismo porque é a partir deste trabalho da imprensa que a população poderá entender a realidade em que vive e, consequentemente, ter mais consciência do significado das decisões políticas . “Por isso  investem tanto em discurso de ódio e meios para nos atacar, censurar e criminalizar. E também organizam seus próprios meios de propaganda para criar outra realidade”, destaca. 

Angélica defende caminhos possíveis para o combate a esta violência. O primeiro é fortalecer o jornalismo colaborativo e criar uma rede de jornalistas; o segundo é promover educação midiática que reflita a importância do jornalismo; abrir mais diálogos com a população e, por fim, combater o discurso de ódio nas redes sociais pressionando as grandes corporações de mídia para regulamentarem suas plataformas.

Vera Magalhães, jornalista que ano passado foi vítima de ataques verbais pelo então presidente da república e intimidada fisicamente por um deputado federal, defende que “visibilizar e tornar público esses ataques é muito importante e saber usar as redes sociais a nosso favor também é fundamental”. 

Ela cita como exemplo o momento em que sofreu ataques e instintivamente gravou a cena com seu próprio celular para não deixar que a narrativa do agressor prevalecesse. “É importante que a gente também use os meios para nos defender nesse momento. Então a gente acaba tendo que desenvolver estratégias”.

Apesar da violência ainda estar presente no cotidiano da imprensa, Vera Magalhães acredita que o cenário tende a “viver um período de normalidade” e que a recente condenação de Bolsonaro é um importante caminho para que outros agressores entendam que haverá consequências.

“Eu sou otimista quanto a uma melhora, mas não sou ingênua a ponto de achar que vai cessar. Qualquer um que está no poder vê a imprensa como um obstáculo, vê a imprensa como uma pedra no sapato. Então os ataques à imprensa são normais em momentos de crise, de denúncias, de escândalos. Mas a gente mostrou que a gente tem resiliência. Acho que isso foi um saldo positivo desses episódios”. 

As palestrantes também destacaram que, em caso de ataques,  jornalistas devem buscar  ajuda em redes de apoio: em seus locais de trabalho, na família, suporte psicológico, além de recorrer à Abraji. 

A cobertura oficial do 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo. 

0 comentário em ““Não vão nos calar”: violência física contra jornalistas aumenta, aponta relatório

Deixe um comentário