18º Congresso Abraji

Jornalismo periférico: “tudo é feito de dentro das periferias para dentro das periferias”

Jornalistas periféricos falam sobre a importância da educação midiática e da população conhecer o próprio território

Jornalistas periféricos falam sobre a importância da educação midiática e da população conhecer o próprio território

Por: Jéssica Natacha | Edição: Amanda Stabile | Arte: Guynever Maropo (@guynemaropo)

“Com nove ou dez anos de idade eu estudava em uma escola pública onde eu via muita violência, assassinatos de amigos e tráfico de drogas. Eu pensava que aquilo era natural, mas com o decorrer dos anos eu percebi que não era”. Esse depoimento é de Gisele Alexandre, fundadora do podcast Manda Notícias e editora-chefe do Espaço do Povo.

Viver nesse ambiente a motivou a participar de iniciativas que ajudassem a periferia a conhecer a própria realidade e modificá-la. “A gente precisa entender o território onde vive, falar sobre ele e sobre as camadas que envolvem toda essa violência que eu sentia na pele”, disse.

Gisele  foi uma das palestrantes da mesa Jornalismo periférico de alto impacto em São Paulo, que aconteceu nesse sábado (1), durante o 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Abraji. Thiago Borges, cofundador da produtora independente Periferia em Movimento e da plataforma Território da Notícia, também participou da conversa, que foi mediada por Vagner de Alencar, cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural.

Durante a mesa, os participantes ressaltaram como a mídia tradicional, em sua maioria, busca produzir reportagens que não contemplam a todos. Por isso começaram a surgir veículos comunitários para cobrir a realidade das populações desses territórios.

Jornalismo periférico de alto impacto em São Paulo. Foto: Marco Pinto

Eles também apontaram que a quebrada não pode ser invisibilizada e nem tratada apenas como um ambiente onde só acontecem violências e mortes ou onde moram pessoas “carentes”. Esse, por sinal, é um estereótipo mal interpretado e de muito mau gosto. É preciso ouvir a voz das comunidades e mostrar que a quebrada também forma doutores, advogados, jornalistas, artistas e diversas outras profissões.

“Essa mesa é de resistência e representatividade”, comentou Gisele. Moradora do Capão Redondo, na Zona Sul da capital paulista, ela explicou que é papel do jornalismo periférico entrevistar os moradores e mostrar como os acontecimentos afetam suas vidas.

O Espaço do Povo tem o objetivo de mostrar o que acontece nas favelas, como as lutas por moradia e denunciar as precariedades dos territórios, mas também trazer para a pauta a cultura e as vivências da população residente. Tudo isso é feito com muito cuidado e sempre pensando na melhoria de vida e das perspectivas da população, para mostrar que os holofotes negativos não definem as periferias.

Já Thiago contou que o Periferia em Movimento nasceu em 2009, a partir de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), e está à frente de lutas pela garantia dos direitos da população periférica. 

“A Periferia em Movimento faz parte de uma articulação para atuação em rede. As organizações promovem encontros de aprendizagem pautados no protagonismo periférico para promover lutas pela garantia de direitos, contra o genocidio e pela valorização da cultura e identidade, educação, gênero e sexualidade, saúde, meio ambiente, dentre outros temas”, comentou Thiago.

Ele falou sobre a importância de além dos moradores terem acesso às informações, também discutirem sobre a notícia e refletirem sobre os assuntos. “O que você sabe sobre a sua região, seu bairro, o que está acontecendo por lá?”, perguntou. Essas são perguntas que Thiago sempre faz.

Os veículos de mídia centrais, apontou, acabam retratando realidades diferentes das que as populações dentro das favelas vivem. Eles dão um enfoque superficial sobre os acontecimentos e as vivências no território. Por isso, acrescentou, nas mídias periféricas, “tudo é feito de dentro das periferias para dentro das periferias”.

Thiago também ressaltou que a desigualdade digital de fato existe nesses territórios e se manifesta no dia a dia da população. Os limites online acontecem de diferentes maneiras dependendo da região, uma pessoa que mora na quebrada, por exemplo, pode não ter a mesma qualidade de antena de tv ou conexão com a internet que um morador do Itaim Paulista.

Além disso, as informações e notícias mais importantes para os moradores das periferias também são diferentes. É preciso estar atento às especificidades para pautar esses assuntos.

Em relação à plataforma Território da Notícia, uma solução de distribuição de conteúdo jornalístico que instala telas de sinalização digital em estabelecimentos comerciais periféricos, Thiago explicou: “instalamos um totem em açougues, mercados e padarias dentro das comunidades. Eles trazem notícias de dentro para dentro”. 

A cobertura oficial do 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, da OBORÉ, sob coordenação do Conselho de Orientação Profissional e do núcleo coordenador do Projeto. Conta com o apoio institucional da Abraji, do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo.

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